Ausente do Brasil durante quase um século, Frinéia foi pintada em Paris, no início de 1909. Nesse ano Antônio Parreiras decidiu tentar o ingresso no Salon de la Societé Nationale des Beaux Arts, do qual participavam artistas do porte de Puvis de Chavannes, Auguste Rodin e Ernest Meissonier. Para isso executara duas grandes telas nas quais pela primeira vez enfrentou os desafios da pintura de nu em tamanho natural. A outra obra, Fantasia, foi admitida à exposição e obteve bastante sucesso, para enorme contentamento do pintor.
Ao retornar ao Brasil, no segundo semestre de 1909, Frinéia foi exposta no Rio de Janeiro, também com ótima repercussão. De volta a Paris em janeiro de 1910, Parreiras inscreveu-a no Salon daquele ano, tendo sido aceita por unanimidade de votos do júri (que recusara cerca de quatro mil trabalhos). Exposta no Grand Palais com destaque, foi reproduzida em cartões-postais coloridos, publicados por diversos editores europeus em tiragens que atingiram dezenas de milhares de cópias. Além disso, proporcionou ao artista ser distingüido, em março de 1911, com o título de delegado da Societé Nationale des Beaux Arts.
Da famosa série de nus femininos que apresentou na França entre 1909 e 1914, Frinéia foi o único a se inspirar na Grécia antiga. Só depois da Primeira Grande Guerra o artista pintaria um outro nu com alusão direta à Antigüidade, nesse caso a figura mitológica de Danae. A referência a temas literários franceses do século XIX está presente em Dolorida e em Flor do mal (originalmente denominada Perverse), enquanto Fantasia (originalmente denominada Inspiration) e Flor brasileira são alegorias — e Nonchalance é quase uma pintura de gênero, intimista e efetivamente concentrada em aspectos de erotismo e desejo.
Dentre todas estas obras, do tema paradigmático da beleza concreta até a concepção formal extremamente sofisticada e bem sucedida, é incontestável que a pintura representando a famosa cortesã grega do século IV a.C. se sobrepõe às demais. Da protagonista, sabe-se que serviu de modelo para o grande escultor do período clássico, Praxíteles, que nela teria se inspirado para suas estátuas da deusa Afrodite.
E embora seja tão fascinante o episódio no qual o orador ateniense Hipérides conseguiu absolvê-la de graves acusações de obscenidade, por meio do astuto expediente de despi-la diante do tribunal, não foi na narrativa literal, como fez Jean-Léon Gérôme (1824-1904), por exemplo, que Parreiras apoiou-se para criar sua obra-prima no gênero do nu feminino. Em sutil metáfora, representou o efeito obtido por Hipérides tão somente reproduzindo-o ao apresentar-nos na grande tela — nua, linda e provocante — não apenas uma etérea deusa do amor e da beleza, mas uma verdadeira mulher plena de sensualidade, de intensa densidade lasciva muito rara mesmo na arte francesa de então.
A pintura foi adquirida antes do mês de maio de 1910 por Manuel de Oliveira Lima (1867-1928), diplomata e eminente historiador brasileiro. Hostilizado em seu próprio país pelo Itamaraty e pelo Senado, abandonou a carreira diplomática em 1913 deixando Bruxelas, na Bélgica, e fixando residência em Washington DC, nos EUA. Quatro anos depois de sua morte, em 1932, a viúva de Oliveira Lima, cumprindo determinação do falecido marido, doou para The Catholic University of America sua extraordinária coleção de mais de 40.000 livros, manuscritos e obras de arte, com uma única e óbvia exceção: Frinéia. A tela foi destinada ao National Press Club - NPC, uma das mais afamadas instituições de imprensa em todo o mundo, fundada em 1908 como entidade exclusivamente masculina. Lá permaneceu exposta por meio século, em local privilegiado para satisfação e prazer de diversas gerações de expoentes do jornalismo norte-americano.
Mas em 1982, com a admissão de jornalistas mulheres ao clube, prevaleceu uma absurda mistura de puritanismo e “correção política” que conseguiu impor a remoção da magnífica pintura dos salões do clube para um reles depósito. E assim permaneceu oculta e abandonada por dezesseis anos até que, em 1998, consumando-se definitivo ato de ignorância e barbarismo da direção do NPC, foi votado o banimento da obra e sua venda em leilão, o que ainda demoraria oito anos para de fato acontecer… Contudo, e felizmente para nós brasileiros, teve fim a odisséia desta obra-prima inigualável, agora de volta a seu país e pela primeira vez em exposição pública desde 1909.
CARLOS ROBERTO MACIEL LEVY
Texto originalmente publicado no catálogo digital da exposição Antônio Parreiras no século XX, Museu Antônio Parreiras, Niterói RJ, dezembro de 2008-março de 2010, p.25-27. Copyright © 2008-2013. Todos os direitos reservados.