Em Paris, nos meses imediatamente anteriores ao início da Primeira Grande Guerra, Antônio Parreiras produziu diversos estudos de cabeças masculinas, todas marcadas por curiosa e quase violenta configuração expressionista. Feições rudes, semblantes contorcidos, uma aparência geral de brutalidade incontida nas faces de homens atormentados pela ganância e pela audácia sem limites. Em uma destas telas, o artista anotou: Les aventuriers. Sucederam-se então outros estudos sob a mesma designação, representando fragmentos de um assunto de significação emblemática no âmbito do peculiar nacionalismo que Parreiras cultivava desde a juventude — tornado cada vez mais radical e explícito em suas numerosas telas históricas produzidas a partir de 1906.
Entre 1915 e 1917, Os aventureiros atingiu características de um projeto final em proporções grandiosas. Na fotografia cuja reprodução está exposta nesta sala vemos o artista posando diante da monumental composição, já bem detalhada a carvão e ao lado de meticulosos estudos das figuras do grupo central. Contudo, jamais chegou a pintá-la conforme a concepção original, transformando-a, cerca de vinte anos depois, em duas telas magistrais de conteúdo análogo e vigorosa execução. No início da década de 1920 o artista abandonou a idéia da grande tela por razões ainda não esclarecidas de maneira adequada, mas que decerto incluíram a percepção de que na verdade havia criado o esboço de duas poderosas obras independentes em vez de apenas duas cenas de uma única pintura gigantesca.
O grupo mais simples, à esquerda da composição original, foi reconfigurado de acordo com a narrativa de episódio histórico do século XVI, cujo protagonista foi o capitão Antônio Dias Adorno, frustrado na busca de diamantes e riquezas do mítico Eldorado. A pintura O descobridor das turmalinas foi terminada em 1933, sendo bastante provável que a decisão de desenvolvê-la como tema autônomo tenha de fato sido concretizada em 1922 e que Parreiras tenha concluído uma primeira versão simplificada, que assinou em Creuse, na França, e reproduziu na primeira edição de seu livro de memórias em 1926. Esta versão foi muito modificada, sobretudo na paisagem de fundo, até a forma definitiva novamente assinada em 1933 — tipo de solução nada incomum desde os primeiros anos de sua carreira.
Ao mesmo tempo, prosseguiu no estudo de ambos os grupos de personagens que vemos à direita do grande esboço de 1915-1917, fundindo-os em cena mais elaborada e de maior impacto dramático. E assim como fizera no caso de O descobridor das turmalinas, procurou algo de fundamento histórico para a nova composição, neste caso porém limitando-se à generalização narrativa associada a aventureiros espanhóis na Amazônia durante o século XVI. Contudo, ao finalizar a pintura Os invasores entre os anos de 1934 e 1936, sem sombra de dúvida tinha consciência que havia produzido — no ocaso de sua vida — uma obra-prima que preservava sob todos os aspectos, exceto pelas dimensões físicas, o autêntico sentido da veemente concepção original de Les aventuriers, que sua obstinada determinação mantivera vivo por décadas.
Além dos estudos em tela ou papel reunidos nesta exposição, existem ainda diversos outros em coleções particulares. Lamentavelmente, o extraordinário esboço da grande composição foi destruído ou de qualquer outro modo perdido, sem que se tenha notícia de sua existência ou localização até o presente.
CARLOS ROBERTO MACIEL LEVY
Texto originalmente publicado no catálogo digital da exposição Antônio Parreiras no século XX, Museu Antônio Parreiras, Niterói RJ, dezembro de 2008-março de 2010, p.9-11. Copyright © 2008-2013. Todos os direitos reservados.