Estas três pinturas de Antônio Parreiras proporcionam, além do prazer estético, um interessante problema formal: embora sempre consideradas como estudos para a tela definitiva que seria apresentada em Paris no Salon de la Societé Nationale des Beaux Arts de 1920, sob o título Modelo em repouso, as duas telas menores não possuem características plásticas de observação preliminar para tema e tratamento finais. Na verdade, constituem versões de um mesmo nu feminino, com proporções e ambientação diferenciadas. E uma delas, embora contenha a indicação autógrafa segundo croquis, foi terminada e datada um ano depois da exposição do Modelo em repouso de maiores dimensões. Fica assim demonstrado que as telas menores não foram concebidas como estudos, mas decerto como vertentes de um mesmo tema, versões ou desdobramentos de uma obra que — evocando um conceito do universo musical — poderíamos chamar de variações sobre o tema principal.
É relevante observar que os estudos preparatórios realizados para obras destinadas à ampliação foram sempre executados com economia de meios, sendo em geral simples manchas de cor, com o desenho apenas sugerindo as formas e as linhas essenciais da composição. Isso não ocorre com os exemplos aqui examinados, pois o pintor atribuiu quase que o mesmo nível de acabamento às três obras, tratando de maneira muito semelhante o partido cromático, fazendo ligeiras alterações na figura feminina que é o elemento principal e alterando com maior intensidade apenas os objetos que integram o fundo da composição dessas imagens.
Parece que Antônio Parreiras quis desvendar seu modo de trabalho, abrir seu ateliê e nos deixar entrar e presenciar seu processo criativo, preservando para o futuro um testemunho de sua inteligência plástica, não só como brilhante paisagista, mas também como pintor que meditava com cuidado sobre sua criação. Enfim, também um artista interiorizado, capaz de elaborar apurado clima psicológico, tão bem evidenciado nesta série de três pinturas vazadas em tom confessional de obra em construção, em progresso.
Nestas figuras de nus femininos não existe propriamente um desígnio sensual, erótico, mas sobretudo o flagrante do descanso de uma modelo durante sessão de pintura, ilustrada em sua realidade pela presença dos objetos que compõem um ateliê: quadros, cavaletes, caixas de pintura, às vezes um cavalete de escultor… Observamos a mulher em um momento de abandono, de intimidade, tocada por suave visão romântica tão própria da época. Não é, de modo algum, uma narrativa visual subjugada a enredo de tom moral — viés tão comum a um certo realismo burguês de fins do século XIX, como pode ser visto em Descanso da modelo ou em O importuno, ambas obras exponenciais do pintor paulista José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899).
Assim, estes três nus podem ser compreendidos já como obras modernas, na aspiração de serem apenas pinturas, cores e formas plasticamente organizadas para o prazer do olhar, despidas de toda complexidade que não seja a própria pintura e em especial demonstrando a procura pela livre expressão da forma: as marcas do pincel, a gestualidade gravada na superfície pictórica, o colorido liberto da simples representação mimética, todas estas características desde sempre marcantes na produção de Antônio Parreiras.
CLÁUDIO VALÉRIO TEIXEIRA
Texto originalmente publicado no catálogo digital da exposição Antônio Parreiras no século XX, Museu Antônio Parreiras, Niterói RJ, dezembro de 2008-março de 2010, p.31-37. Copyright © 2008-2017. Todos os direitos reservados.