Este grupo de três pinturas pode ser considerado como seminal na produção de Antônio Parreiras, no sentido que abriga todas as características mais marcantes da obra do artista, tanto técnicas quanto na maneira de ver a paisagem, de compor o cenário, de expressar o sentimento telúrico da natureza. Visto como tríptico com a força que se impõe, é um verdadeiro símbolo de brasilidade, não de algum nacionalismo do tipo canhestro e vulgar, mas daquele de gênero grandioso e justo, cordial e acolhedor embora ao mesmo tempo indomável.
Em Manhã, observamos que o pintor lançou mão de uma diagonal que divide a tela em dois segmentos, um de luz e outro formado pelas sombras do primeiro plano da paisagem. A seguir utilizou um grande tronco de árvore, também na sombra, aproveitando para limitar a margem esquerda da composição e sugerir a grandiosidade da floresta, e com a luz mais forte e de tonalidade mais quente, desenhar uma vertical na proporção áurea do retângulo do suporte.
Na obra denominada Meio-dia, os raios de sol que penetram na densa floresta organizam a composição construindo sutilmente uma tênue diagonal descendente com as réstias de luz, apoiada em notas de maior força no tronco à direita da composição. Elaborada em tonalidades mais frias, verdes azuis e neutros, o artista utiliza pinceladas largas de tonalidades quentes para marcar a diagonal no canto inferior esquerdo, fechando a composição e guiando o olhar do espectador para a profundeza da floresta.
Em Entardecer, Parreiras concebeu uma composição inusitada, criando com a iluminação da cena um triângulo invertido, que divide a obra em dois segmentos: o inferior em zona sombreada e o superior banhado de luz, novamente conduzindo o observador para o interior do quadro. À esquerda da composição, o pintor dispôs um grande tronco de árvore em elegante linha curva, apoiada por diagonal que do canto superior esquerdo invade a cena.
Nesta pintura o que mais se destaca é a originalidade da composição, a partir de um esquema clássico de organização dos elementos. Os grandes troncos em contra-luz estabelecem os limites de uma forma circular invadida pelas nuvens e plena luz da paisagem. Colocando-se em ponto de vista baixo, o pintor confere à obra um sentido monumental que é reforçado pelas árvores projetadas em largas manchas fechando a margem esquerda da composição. Mediante este recurso tradicional do melhor paisagismo, designado como repoussoir, Parreiras evidencia a planimetria da paisagem destacando o primeiro plano da cena. E com especial singularidade, apoiando-se na perspectiva utilizada, elimina os planos intermediários conferindo à sua pintura uma surpreendente modernidade. Em 1933, portanto já nos últimos anos de vida, era um artista ainda em mutação, em busca de novos caminhos, novos desafios para afirmação de uma personalidade tão inquieta quanto resoluta.
É impossível não notar a preocupação do artista em relação à preservação ecológica, em uma época durante a qual tal responsabilidade era ignorada ou pouquíssimo difundida. Aliás, em plena década de 1930, sob o influxo do progresso e do modernismo, a atitude de defender a proteção do meio ambiente e colocar-se contra a devastação da natureza foi tida como retrógrada e anacrônica, e portanto até mesmo acadêmica. Ao realizar esta paisagem, o artista lançou mão de amplo vocabulário da pintura a óleo: a plena pasta, o esfregaço, a pintura sobre pintura, o livre trabalho do pincel, as camadas mais tênues como velaturas, enfim, todas as variações características que o óleo permite e que o tornaram forma de expressão artística hegemônica nos séculos XIX e XX. Já se encontrando o artista muito doente quando terminou esta obra, é emocionante nela constatarmos a presença de excepcionais atributos de qualidade técnica e criativa, prova inconteste que Antônio Parreiras jamais sofreu decadência em sua longa carreira de paisagista.
Com pequenos e ágeis toques de pincel, excitando o olhar do espectador, na composição desta pintura o artista constrói um triângulo formado pela massa da vegetação, em contraste com a superfície serena e simples da área que representa o céu. Troncos de árvores, traçados em linhas verticais sangrando a margem superior do suporte, imprimem intensa força expressiva ao arranjo dos elementos. Galhos se entrelaçam formando linhas de elegante sinuosidade, em tênue camada pictórica que nas folhagens é aplicada à guisa de velatura sobre a opacidade do fundo. Vazada em tonalidades quentes, sépias, em contraste com os violáceos do último plano, esta paisagem parece simbolizar o fim de uma jornada, a despedida angustiante de um período que se encerra, recordação de toda uma vida dedicada à arte e à verdade da beleza — paisagem outonal que transpira melancolia, anunciando o descanso de um verdadeiro gigante da arte brasileira.
CLÁUDIO VALÉRIO TEIXEIRA
Texto originalmente publicado no catálogo digital da exposição Antônio Parreiras no século XX, Museu Antônio Parreiras, Niterói RJ, dezembro de 2008-março de 2010, p.39-39. Copyright © 2008-2017. Todos os direitos reservados.